Encarar um Tribunal do Júri composto totalmente por homens, não ser aceita como defensora de um cidadão, simplesmente por ser uma mulher. Essas são algumas das diversas situações enfrentadas diariamente por mulheres que ocupam a função de defensoras públicas em Mato Grosso. A defensora pública, Rosana Leite lembra, logo do início da carreira, quando entrou na sala de audiência no município de Rosário Oeste, e um homem foi chamado para ser ouvido em uma audiência, ao abrir a porta, ele se deparou com três mulheres na sala: a defensora, a promotora e uma juíza, “Ele disse meu Deus, as senhoras que vão me ouvir, são três mulheres, eu estou enrolado. Veja como foi à interpretação dele, a leitura não foi positiva, simplesmente por nós sermos mulheres”, relatou a defensora pública.
Uma situação semelhante ocorreu com a defensora pública Thais Borges, que foi discriminada ao tentar fazer a defesa de um cidadão. Ela conta que ao assumir o caso, o assistido (um homem), não aceitou ser representado por ela, simplesmente por ser do sexo feminino, “Eu já tinha percebido em outras conversas, que ele tinha essa discriminação pelo fato de eu ser mulher. Confesso que fiquei chocada por vivenciar isso de forma tão clara, me deixou assustada, até porque hoje o preconceito, geralmente é disfarçado. O processo dele, era a respeito de uma demarcação de terra, não um caso de estupro, por exemplo, que poderia deixá-lo constrangido”, declarou à defensora.
A rotina das defensoras públicas de Mato Grosso, não é diferente das funções atribuídas aos homens no cargo. Porém, lidar com ambientes onde a presença masculina predomina, ainda gera preconceito, coação e constrangimento no trabalho diário. Defender mulheres acusadas de assassinar os companheiros, por legítima defesa, não é tarefa fácil, segundo a defensora Odila de Fátima dos Santos, que atuou por 8 anos no Núcleo de Várzea Grande, “Por diversas vezes, eu defendi mulheres que mataram por sofrerem violência psicológica, após essa violência ser somatizada até resultar em um crime. Eu consegui provar, que a mulher tem seu limite, ela é um ser humano”.
Essas atuações são motivo de orgulho para a Associação Mato-grossense dos Defensores Públicos (Amdep). O presidente da Amdep, o defensor público, João Paulo Carvalho Dias define as defensoras como guerreiras e empoderadas, “As mulheres estão cada vez mais ganhando representatividade no mercado de trabalho, mas ainda precisamos avançar na importância da mulher na sociedade. Porque o espaço dado a elas hoje ainda não é o ideal como, por exemplo, de uma cota eleitoral não preenchida. Precisamos respeitar às diferenças que nos unem. A sensibilidade e competência feminina precisa de reconhecimento legal, pois, às mulheres dominam todas as áreas com excelência peculiar. Estamos fechando esse mês, nossa campanha nacional ‘Em Defesa Delas’, na qual promovemos diversas ações em prol das mulheres vulneráveis”.
De acordo com a defensora pública Thais Borges, ainda falta uma compreensão dentro da sociedade a respeito das necessidades das mulheres/mães. Uma demanda extremamente exaustiva e fatigante, “Não se fala do quanto se precisa ter cuidado com a mulher gestante, hormonalmente alterada, como também no pós-parto, e até com uma criança pequena. Meu filho acorda três vezes por noite, ou seja, eu não sou uma pessoa que consegue deitar às nove da noite e levantar às sete horas da manhã. Então eu pergunto: como se faz um Tribunal do Júri amamentando, ou como levar um bebê para esse ambiente”.
Nesse dia 8 de março, em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres, a defensora Rosana Leite, coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher em Cuiabá, acredita que as mulheres têm muito a comemorar pelas suas conquistas. Lembrou a história de luta pelo público feminino, “É gratificante, conseguir com meu trabalho, com minha vontade, fazer a diferença na vida das pessoas. Se ela entra com a cabeça baixa no meu gabinete, e ela sai de cabeça erguida pra mim é uma vitória. Estar na Defensoria Pública é um orgulho muito grande, e defender mulheres vulneráveis é um orgulho maior ainda. Mudar contextos, e conseguir tirar a mulher de qualquer violência”.